[Relatos de um escrevivente]

Hoje, acordei cedo e enquanto me arrumava, espontaneamente reclamava de ter que ir para especialização e assistir aula das 08 às 17h. Mas quando estava no ônibus em um trajeto curto de 30min, entraram seis vendedores ambulantes e/ou baleiros, foram seis homens negros e seis histórias distintas que levaram aqueles homens a ocupar este lugar.

O sistema é perverso, ele enquadra os nossos corpos negros neste lugar de subalternidade – as vezes sem nos oferecer oportunidade de escolhas. Fiquei refletindo a cena dos baleiros no ônibus e observando os olhares das pessoas sobre estes corpos, por estarem em uma condição um pouco mais confortável, como uma carteira assinada, por exemplo. As vezes nós julgamos o outro sem nem conhecer de fato a sua história.

Como já narrei aqui, sou filho de empregada doméstica e pai vendedor ambulante, ou seja, o meu corpo estava predestinado a estar neste lugar também… Quando adolescente, já fui vendedor de picolé, vendi na feira livre, fui lavador de carros, empregado doméstico, etc, etc, etc. E há dois anos mais ou menos as coisas aqui em casa estavam muito apertadas, estava na condição se estudante de graduação e desempregado citando tia Gal: “batendo bosta com dois paus” então, pensei! Vou vender água no sinal e ou/ônibus como meio de sobrevivência mesmo.

Mas a deusa e os orixás antes que eu pudesse fazer isso interviu…No meio desse desespero de garantir um meio de sobrevivência um Orixá me disse: “que eu era filho do pai maior e do dono das matas filho da prosperidade”. Disse que aquela atitude era nobre e digna, mas pelo caminho que já tinha percorrido, eu merecia algo melhor. E assim ocorreu, tive uma oportunidade de trabalho e aquela ideia não foi aplicada.

Enfim, a pesar de todas as dificuldades me formei, hoje, estou fazendo especialização e mestrado simultaneamente. Sim, sou um privilegiado! Por até aqui consegui criar estratégias de sobrevivência e fugir a regra deste sistema perverso e violento. Nem todos tiveram a mesma oportunidade por motivos diversos, nem terão com esse governo escroto e racista!

Embora, eu esteja em uma posição confortável hoje, o meu corpo e as experiências de violência não são diferentes destes corpos que sobem e descem dos ônibus na busca de sua sobrevivência. Conclusão, do que eu estava reclamando mesmo? Eu sou a exceção da regra. Um privilegiado!

Reclame menos e agradeça mais.

Salvador-BA, 08 de junho, outono de 2019.